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Lifestyle

O amor nunca acaba totalmente

15.10.2014
Redação Chata de Galocha

10-15-dizer
Eles imaginaram que aconteceria como nos filmes. Ela com outro e ele com outra. Ela feliz e ele também. Alguém falando ao telefone, enquanto o outro segurava uma sacola cheia de legumes. No supermercado ou em uma padaria qualquer. Poderia ser em um desses lugares que as pessoas vão sem planejar, só porque precisam comprar papel higiênico ou uma bandeja de peito de peru.
Dariam um cumprimento formal, mas nem tanto. “Oi, quanto tempo!”, “Nossa! Digo o mesmo”. Não passariam disso. Não tinham certeza se apresentariam por educação os novos companheiros. Em alguns filmes isso acontece, mas é algo que deixa quem assiste desconfortável. Melhor não.
Seriam cinquenta segundos de desespero. Ela cumprimentaria a nova namorada dele, só para não ficar chato. O atual dela, entenderia de cara quem ele é, e apressaria o passo para sair de lá o mais rápido possível sem fazer cena de ciúmes. Depois desse teatro mal ensaiado e mecânico, os dois fingiriam que nada aconteceu. Vida que segue. Um para um lado, outro para o outro. Bom te ver.

Esqueceram que a vida é como um filme de roteiro barato.

No dia que eles se encontraram, estava um sol de rachar. O jornal anunciou que era o dia mais quente em dois anos. Poderiam jurar que era o mais quente das suas vidas. Entre um compromisso e outro, ela lembrou que em algum momento precisava parar na farmácia para comprar uma escova de dente nova. Entre uma reunião e outra, ele lembrou que aquele remédio para a caspa já estava acabando. Era uma segunda-feira de janeiro.
A cidade tinha mais de trezentas farmácias espalhadas na região. Em tempos modernos, onde supermercados prometem ter tudo e deliverys resolvem qualquer questão, é muito difícil encontrar algum conhecido na drogaria. A farmácia em si, já pode ser bem constrangedora. Eles estacionaram o carro na mesma farmácia, naquela avenida movimentada, mais ou menos às sete horas da noite.
Ela resolveu ir depois da academia. Suada, com o cabelo preso com um coque muito mal feito. Já ele, preferiu ir depois de tomar um chope com o sócio. Sabe como é, não foi fácil negar uma gelada naquele calor infernal.
Bem atrás de uma prateleira com setenta tipos de absorventes, ele a reconheceu segurando uma escova de dentes do Bob Esponja. Ela desviou o olhar e logo já trocou o produto por outra escova cinza, dessas que prometem escovar a língua e cinquenta outros lugares da boca.
Seu rosto completamente sem maquiagem e com alguns resquícios de suor no buço fez de tudo para fingir que aquele que segurava dois pacotes de camisinha a dois metros de distância não era ele. Os dois ficaram vermelhos. Por alguns segundos lembraram o quanto era divertido fazer esse tipo de compra idiota juntos. A lembrança sumiu como uma assombração quando veio na mente de ambos, o motivo pelo qual não deram certo juntos.
Em meio a esse turbilhão de pensamentos, se encararam como dois adultos. Ele, com as mãos vazias, depois de isolar o pacote de preservativo no meio da seção de esmaltes. Ela, com um sabonete na mão, porque mulher tem disso de segurar qualquer coisa quando fica nervosa.
Pela primeira vez em um ano, se olharam de verdade. As paredes e luzes brancas da farmácia não os deixaram mentir. Deram um abraço rápido e robótico. Ah, como ela sentia falta daquele restinho de perfume, ainda escondido no pescoço dele depois de um chope e fumaças de cigarro. Ah, como ele sentia falta de encontrá-la depois da aula de spinning, suada e cansada, com as bochechas vermelhas igual uma boneca.
Não disseram uma palavra. Não economizaram nos sorrisos tortos. A vida dos dois não havia mudado tanto, mesmo depois de seis meses. Estava estampado na cara.
“Nem tudo acontece como nas comédias românticas bobas que eu assisto”, ela pensou. “Depois dessa, acho melhor voltar para o bar”, ele teve certeza. Um para um lado, outro para o outro. Bom te ver.
Talvez seja assim. O amor nunca acaba totalmente. Ele continua em algum reencontro muito inesperado.

18 Comentários  |  Deixar Comentários

Comentários:
  1. tania    15/10/2014 - 08h10

    Nunca tive tanto acesso a tantos textos de “amor”.
    Ler um que realmente me chame a atenção atualmente é raro…amei esse!

  2. Jéssica Duarte    15/10/2014 - 09h03

    Adorei o texto

    >>>>>>>> http://www.PISAICO.com.br <<<<<<< Mulherada, venham conhecer nossas peças!

  3. Tatinhapaz    15/10/2014 - 09h18

    Marcella, que testo lindo! Muito bem escrito! As vezes a relação homem e mulher acaba, mas fica o carinho, outras vezes a raiva é grande. Mas quando nos importamos com a raiva, é por que o sentimento ainda está ali.

    http://destinofeliz.wordpress.com/2014/10/14/hamburguer-em-paris-le-camion-que-fume/

  4. Rosiane Duarte    15/10/2014 - 09h33

    Muito interessante! Estava conversando algo do tipo com o meu noivorido esses dias!!! Muito bom para uma reflexão!!! Você brilhou!!!!!

  5. Mariana    15/10/2014 - 11h19

    Simplesmente perfeito!!!! Os seus textos são sempre mto bons.
    BJs!!!

  6. Nádia    15/10/2014 - 12h51

    Adorei ler esse conto!!! Muito bom, parabéns à autora!! Realmente, alguns sentimentos, como o carinho, podem perdurar mesmo depois do término de uma relação amorosa. É impossível ser totalmente indiferente àqueles que fizeram parte de nossas vidas de modo tão íntimo, tão próximo. Sabe aquela vontade que bate, às vezes, de saber como a pessoa está, o que tem feito da vida? Só por saudade mesmo… É, vai ver o amor nunca acaba totalmente mesmo.

  7. Luiza    15/10/2014 - 13h19

    Adorei o texto, muito bom! Beijos

    http://www.estiloadois.com.br

  8. Natalia    15/10/2014 - 13h50

    A simplicidade do amor do dia a dia..

    Que tocante o texto!

  9. Ana    15/10/2014 - 14h05

    Nossa! Passou um filme na minha cabeça! Adorei a história! Parabéns!

  10. Taís Oliveira    15/10/2014 - 15h36

    Perfeito!!Me emocionei pq passei exatamente por isso ontem a noite, com direito a coque desmanchando, academia e bochechas vermelhas!!

  11. Babi Almeida    15/10/2014 - 20h09

    <3

  12. Rakuel Santos    15/10/2014 - 20h42

    Lú, você poderia me dizer qual a referência do óculos da Chilli Beans que você ganhou?

  13. Isabella    16/10/2014 - 14h20

    Oi Marcella!
    Nossa que texto mais perfeito esse que você escreveu!!
    Acho que isso já aconteceu com pelo menos metade da população, rs.
    Me identifiquei tanto!
    Amei ??
    Parabéns!
    Bjinho

  14. Bruna    18/10/2014 - 00h30

    Uma vez eu li uma frase que me marcou bastante, era algo do tipo: o término de um relacionamento é um luto de uma vida que só o casal conhece. O que não deixa de ser verdade, né? O passado só servirá de lembrança de sonhos que não se concretizarão.

  15. Isabella Brescia    18/10/2014 - 21h20

    Adorei!! Leve, divertido, gostoso de ler…

  16. laravidademulher.blogspot.com.br    01/11/2014 - 12h41

    Ameeeiii. Parabéns!!!

  17. mariana carvalho    23/01/2015 - 18h49

    meu deus! adorei esse texto, crônica, sei lá do que podemos chamar! Ameiiiii total, pois me identifiquei por ter passado por uma situação parecida há alguns dias. Realmente, é exatamente o que acontece quando o amor nunca acaba rs! Sensacional!

  18. Judy nunes    30/10/2015 - 07h35

    Recomeçando à viver.., depois de perder meu filho e agora meu marido, encontrei textos lindos para rir, chorar e me inspirar!!! Até como morar sozinha e comprar um pão e duas maçãs, pois já foi muita coisa fora!!

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