Comida é sabor, afeto, lembranças, amor. É também história, identidade, política. É sustento, negócio e resistência. São esses ingredientes que fazem da chef Bruna Martins uma referência em BH. E tudo isso junto é a receita que faz do Birosca S2 um dos restaurantes mais queridos da cidade.
Conversamos com a chef e empresária sobre gastronomia afetiva, machismo na profissão e os grandes desafios que ela tem enfrentado diariamente na pandemia. Como não poderia deixar de ser, está um papo bem gostoso.
Como nasceu sua ligação com a gastronomia? Quais suas lembranças de infância mais intensas em relação à cozinha?
Nasceu de algo bem abstrato, enquanto meus pais incentivavam que eu ficasse ligada educativamente à arte, uma das coisas que mais me tocava era vê-los cozinhando. E sempre me impressionou e encantou quando ia na casa de amiguinhos e comia coisas diferentes.
Minhas lembranças mais intensas são de quando pedi de aniversário que todos os presentes tivessem relação com a cozinha. Enquanto as meninas queriam Barbie, eu queria maquininha de fazer pastel, rolo de massa… E assim tive uma maletinha de coisas que eu usava. Meu pai montou uma um fogão à lenha pequeno na casa de boneca que eu tinha na roça. E sempre gostei de acompanhar todo o processo da minha avó cozinhando, pegando os alimentos na horta.
Em que momento esse prazer virou negócio?
Quando eu vi que não conseguia monetizar nada que não tivesse a ver com a comida. Na escola e na faculdade, sempre vendi brigadeiro e sanduíches; quando viajava com amigas, cozinhava e descontava na minha parcela de gastos. De certa forma, tudo isso foi dizendo pra mim que não tinha como eu fazer outra coisa.
Como nasceu o conceito do Birosca S2? Como você apresentaria o restaurante para alguém que não é de BH e não o conhece?
O conceito do Birosca S2 hoje é muito diferente de quando eu montei o restaurante, mas o que mantém é a essência de ser comida afetiva, que gera lembranças. Eu senti a necessidade de trazer para o negócio uma comida verdadeira, farta e feita com amor. A casa, por ser antiga, e por eu ter pouco dinheiro para montar na época, garimpei muita coisa de segunda mão e isso criou um roteiro para ser o que é. Tudo tem uma história. Escolhi o nome pelo bairro Santa Teresa ser antigo e ser cheio de biroscas, que são vendinhas que vendem de tudo um pouco.
O Birosca S2 é uma colcha de retalhos, em que fui juntando pedacinhos de histórias e receitas, até chegar no que é e assim virou uma referência na cidade.
Você trabalha com a comida afetiva e a própria cozinha mineira tem essa característica forte. De que forma esse afeto está mais presente nos seus pratos?
A comida afetiva tem vários caminhos e leituras; a regional é uma delas. A mineira, por exemplo, conta a história do nosso povo. Acabei optando por uma comida doméstica, que está num lugar que atinge as pessoas de forma geral e ainda foi pouco explorada em restaurantes. Então, aposto em panquecas, em torta de liquidificador, bife a rolê e purê de chuchu. E quando o assunto é regionalidade, também trago os pratos mineiros, como a galinhada e a canjiquinha com costelinha.
O meio da gastronomia é super machista, né? Como é para você ser uma mulher que empreende nesse meio?
O meio gastronômico é tão machista que preferi empreender do que trabalhar para algum restaurante. Porque nas experiências que tive, senti isso muito na pele. Sendo dona do meu próprio negócio, pude criar uma política de trabalho minha. É óbvio que hoje eu sinto as práticas machistas do mercado em relação a reconhecimento, valorização, protagonismo. Se o Birosca S2 fosse de um homem, eu sei que teria um outro tipo de respaldo na cidade. Mas é isso, é a resistência que a gente fala.
Como tem sido o período de pandemia para você, como empreendedora?
A devastadora pandemia é uma das coisas mais tristes e difíceis que já vivi profissionalmente. Praticamente vi escorrer pelas minhas mãos tudo o que construí e ando numa corda bamba com muito medo de ver tudo acabar, porque as contas não fecham. Mas tenho reinventado coisas todas as semanas para conseguir atravessar essa fase. Em vários momentos, achei que conseguiria, mas com esse prolongamento, está ficando bem insustentável. Tenho que lidar diariamente com esses desesperos.
Uma pergunta padrão que sempre fazemos: se você pudesse escolher alguém para experimentar um prato seu, quem seria e o que serviria? Pode sonhar alto!
Ah.. que loucura! Depois que o Anthony Bourdain (chef e apresentador americano) foi ao Birosca S2 parece que alcancei meu maior status de vida. Mas acho que, em termos profissionais, se a Paola Carosella fosse ao restaurante ia ficar muito feliz, porque gostou muito dela, acredito muito no que ela diz, em como ela trata a gastronomia e também as posições políticas dela. Acho uma mulher fenomenal. E se eu pudesse sonhar muito alto, a minha bisavó que já tinha falecido quando abri o Birosca S2 e que foi muito importante pra mim, era uma cozinheira de mão cheia.
Quem é de BH pode pedir delivery do Birosca S2 e, além de se deliciar com os pratos cheios de afeto, ainda ajuda a manter esse lugar tão especial!