A jornalista, youtuber e escritora Daiana Garbin é uma mulher que une opostos. Ela transforma suas fragilidades em força e faz das suas imperfeições em inspiração. Para ela, o único padrão que deveria existir é o do amor próprio. E, por meio de seus vídeos, conteúdos no Instagram e livros lançados, mostra que a beleza é plural e que em nada tem a ver com padrões que aprisionam e adoecem. Com suas vivências e aprendizados, mostra que não há nada mais libertador do que se aceitar – e amar – como se é.
Nessa entrevista, tivemos uma conversa sincera e emocionante sobre como ela tornou uma doença que a acompanhou por 20 anos, em um propósito para educar a sociedade sobre o tema e apoiar outras mulheres que passam pelo mesmo. Ela abriu o seu coração e, expondo suas fraquezas e dores, mostrou toda sua resistência.
Eu assisti à uma entrevista sua para a Karol Pinheiro, há dois anos, em que você diz que o nome do seu canal, Eu Vejo, veio porque você via que as mulheres estavam vivendo uma relação de aprisionamento com seus corpos. Mudou algo de lá para agora?
Nos últimos anos, eu percebi uma mudança na quantidade de pessoas que vem falando sobre a liberdade dos corpos e do aprisionamento que as mulheres vivem. Esse movimento está em uma crescente e agora a gente fala sobre isso, o que antes não acontecia. Questionamos mais os padrões e a cobrança social pela imagem feminina, vejo mais mulheres mostrando seus corpos, com estrias, celulites e dobrinhas, vejo também marcas mais interessadas em mostrar mulheres reais e não apenas aquele padrão.
Na verdade, nem gosto de usar o termo “mulheres reais”, porque todas assim são, inclusive as altas e magras, com corpo de modelo. O problema é quando só esse perfil é visto como bonito. E agora as marcas estão entendendo que queremos ver todos os tipos.
Mas ainda tenho dúvida se em casa, nuas diante do espelho, as mulheres estão realmente mais livres. Uma mudança tão importante como essa não acontece em tão pouco tempo, em um intervalo de dois anos. É uma construção de mudança de pensamento que demora gerações. Eu faço esse trabalho agora para que a minha filha, que acabou de nascer, possa viver de uma forma diferente do que a minha geração. São muitos séculos em que as mulheres estão reprimidas tentando se encaixar dentro de um padrão, então ainda vai demorar para isso.
Você já contou que chegou a se endividar para fazer procedimentos estéticos, em busca de uma satisfação que nunca vinha. Considerando ainda que você é uma mulher dentro de todos os padrões que a sociedade aprova, como foi conviver com essa dualidade?
Eu falo como quem já viveu aprisionada que hoje sei que essa busca incessante por uma imagem perfeita é um pedido de socorro, de algo que não vai bem na sua vida e você não sabe elaborar. A pessoa acha que vai se sentir segura e completa, mas na verdade não entende a sua própria dor. Eu sempre falo que é uma dor imensa e que a gente não pode cair na armadilha de dizer que é frescura, que não tem que dar atenção. A base é uma sensação de impotência, vulnerabilidade, inadequação.
Muitas mulheres perdem oportunidades incríveis na vida profissional e pessoal por não se sentirem bonitas o suficiente, por achar que não merecem ser ouvidas e amadas. E isso é muito grave. Vejo mulheres que não levantam a mão em uma reunião de trabalho para expressarem suas ideias por insegurança com suas aparências. A gente perde mentes brilhantes por causa do aprisionamento de suas imagens e isso independe se estão dentro de padrões ou não. Está além disso.
Um dos pontos do seu primeiro livro, “Fazendo as pazes com meu corpo”, que mais me marcou foi quando você contou sobre duas ou três situações em que suas chefes mulheres falaram que você deveria emagrecer. Quando isso vem de mulheres que ainda estão acima de você em uma hierarquia profissional, fica ainda mais difícil não acreditar que você não é inadequada…
Isso é muito doloroso. Quando você tira da mulher todas as virtudes profissionais, suas capacidades, inteligência e diz pra ela que, para se dar bem, ela precisa de uma imagem X, você acaba com o último fiapo de autoestima que ela tem. Muitas vezes isso desencadeia ou piora transtornos alimentares e depressão. O mercado de trabalho é muito cruel com a mulher.
A gente tem visto divulgação de lipos e procedimentos estéticos nas redes sociais como se fossem anúncios de roupas. As participantes do BBB saíam do programa nessa edição e já iam direto para clínica estética.Você acha que um caminho seria proibir essas divulgações e propagandas?
É muito complicado ver que hoje há meninas que não conseguem postar nada sem usar um tanto de filtro, totalmente transformadas, afinando traços e corpos. Estamos falando de crianças e adolescentes que estão formando as suas identidades e autoimagens. É muito perigoso. Existe até um transtorno recente, nomeado em 2017 de snapchat dysmorphia, em que as pessoas procuram cirurgias estéticas para se parecerem com suas versões alteradas nas redes sociais e saírem “melhor” nas selfies.
Mas, eu não sei se proibir adiantaria algo. A gente tem uma dificuldade muito grande na separação entre liberdade e proibição. Eu não sei se esse seria o melhor caminho. Mas acho que precisa de uma regulamentação para deixar claro o impacto disso. É um bombardeio o dia todo dessas propagandas e informações. Mas essa mudança tem que surgir da gente, porque procedimentos e produtos sempre existiram. O que nós mulheres temos que fazer é não deixar que essa influência externa determine a nossa autoestima e autoimagem. A gente precisa se fortalecer, porque acho muito difícil a indústria da beleza mudar. Temos que nós mesmos entender as dores que estamos tentando depositar na nossa imagem corporal.
Como você tem percebido que está a relação das mulheres com sua autoestima nessa pandemia?
Homens e mulheres em geral não estão bem. Já estamos há muito tempo vivendo nessas condições, infelizmente ainda sem uma previsão de fim. Então, acho que todo mundo está sofrendo com a saúde mental nesse momento. Isso é especialmente forte nas mulheres que têm filhos e precisaram conciliar o trabalho, a escola da criança, toda questão pessoal, cuidado com a casa, o medo de contrair a doença e a insegurança financeira, muitas vezes sem rede de apoio. É muito difícil não ter pirado em algum momento.
Tem uma pesquisa da USP que mostra que as mais afetadas emocionalmente pela pandemia foram as mulheres, respondendo por 40,5% de sintomas de depressão, 34,9% de ansiedade e 37,3% de estresse. E tudo isso afeta a autoestima; faz com que se sinta impotente. A mulher acaba se culpando por não dar conta de tudo. Mas é impossível que isso aconteça e tem que ter um acolhimento. Quando falamos de autoestima, também falamos de saúde mental, das nossas emoções, percepções, capacidades e tudo está ligado e afetado na pandemia.
Você engravidou durante a pandemia, uma fase que tem sido difícil lidar com as emoções, como já falamos. Em algum momento a gravidez trouxe de volta essa relação conflitante com o corpo ou pelo menos esse medo passou pela sua cabeça?
Sou muito grata e feliz por ter tido a oportunidade de fazer o tratamento, ter apoio psicológico e me sentir curada antes da pandemia ter começado e antes de engravidar. Eu passei uma gravidez muito bem, sem recaída, eu estou em remissão, que é o termo que usamos em casos de transtornos alimentares. É claro que durante a gestação tive dias mais difíceis, mas isso não significa estar doente de novo e sim que eu me conheço mais e consigo reconhecer e lidar com meus sentimentos. Um dia difícil não representa estar de novo em toda situação de doença.
Você é mãe de uma menina. Quais suas grandes preocupações em criar uma mulher? O que você mais pensa em passar pra ela?
Semana passada, eu comecei a introdução alimentar e dei a primeira papinha de frutas para ela. E eu chorei de emoção, porque a alimentação que sempre teve um papel de tanto sofrimento na minha vida, agora tem um papel tão diferente, de alegria, de eu me permitir comer o que eu gosto livremente. Eu sei como é viver aprisionada e também como é bom comer sem culpa. E vendo a Lua comer, só desejo que com ela seja tudo diferente. Eu vou fazer de tudo para que ela tenha uma relação de paz e tranquilidade com a alimentação e com o corpo; que possa ser forte e livre.
Para finalizar, na sua opinião, qual é o caminho para amar quem a gente é?
Eu acredito que o caminho é a gente aceitar toda a nossa imperfeição, que nunca vamos ser tudo aquilo que queremos ser, nunca vamos conquistar tudo que a gente gostaria, e que a gente sempre vai ter dor no nosso coração. Não existe vida sem dor, fracasso, medo, erros e riscos. A partir do momento que a gente aceita a nossa condição humana, a nossa jornada fica mais leve e com mais amor próprio.
Só temos a agradecer à Daiana por essa conversa tão inspiradora! <3