Nessa editoria que criamos para enaltecer mulheres empreendedoras que admiramos, temos entrevistado artistas das mais diferentes vertentes. Já tivemos artista visual, designers de bolsas e de acessórios e, como não poderia ficar de fora, chegou o momento de conversar com uma fotógrafa.
A fotografia é uma das expressões artísticas mais presentes no dia a dia do Chata. A Lu, há anos, registra e compartilha seus looks, viagens e trabalhos por meio dela, além de ser casada com um fotógrafo super talentoso (oi, Leo! <3).
Por meio dela, colecionamos memórias e expressamos ideias. Ela pode ser afeto, protesto, nostalgia, denúncia, produto, homenagem e tantas outras infinitas coisas.
Nossa entrevistada da semana tem um olhar diferenciado quando se trata de fotografia. Ela capta leveza, delicadeza e sutileza em imagens que realmente inspiram. Conheçam a Júlia Lego.
Como nasceu sua relação com a fotografia?
Eu só comecei a perceber minha relação com a fotografia muitos anos depois, quando ingressei na profissão. Olhando pra trás, a fotografia sempre esteve presente na minha vida. Meu pai sempre gostou de fotografar, sempre teve câmeras legais e eu costumava pedir câmeras pra ele. Tive algumas durante a minha vida, sempre point and shoot, as mais simples mesmo, e amava. Outra lembrança é da minha primeira foto, com 5 anos, que fiz de uma tia, numa mesa, e ficou incrivelmente bem enquadrada! (risos). Sempre me interessei por moda e mais pra frente as coisas foram se cruzando.
Em que momento ela virou a sua profissão?
Eu estava no final do curso de Design de Produto quando retomei meu gosto pela fotografia de maneira mais objetiva. Pegava emprestado uma cybershot com um amigo, até que ganhei uma também. Inventava ensaios que misturavam moda e design, bem caseiros mesmo, mas contando sempre com amigos bem talentosos e encorajadores. Era época de fotolog e flickr.
Pouco tempo depois, eu ganhei uma Canon Rebel XT, e aí comecei a fotografar de maneira mais profissional, ainda sem trabalhar efetivamente com isso. Logo que terminei a faculdade, em 2007, eu trabalhei como assistente de fotografia e, 3 meses depois, fui morar na Argentina. Por lá, fiz uns cursos de fotografia e, assim que retornei, comecei a trabalhar em um estúdio, ainda como assistente, e a fazer meus próprios trabalhos. Daí em diante nunca mais parei.
Como você define o seu estilo de trabalho atualmente?
Demorei muito para entender o meu estilo, o que era recorrente nas imagens que eu produzia. Eu ouvi muitos feedbacks de clientes e amigos sobre a delicadeza da minha imagem. Faz sentido pra mim, sabe? Eu realmente entendo minha foto como delicada, sutil, não como um sonho, mas como uma realidade leve, um olhar feminino. Eu construo minhas imagens com o que tenho de vivência, de repertório, nos quais estão minhas formações em design, estilismo, fotografia e história da arte, principalmente o período renascentista.
O que e quem mais te inspira?
É engraçado pensar nisso… Eu tenho um pouco de antipatia dessas colocações de o que inspira alguém, acho pedante, não sei, mas qualquer coisa pode ser uma inspiração né? Na verdade, pensando melhor, acho que algumas coisas são grandes inspirações e algumas coisas que vemos no dia a dia podem desencadear em ideias, tipo um insight mesmo.
Eu me inspiro muitíssimo pelo Renascimento. Da Vinci e Michelangelo são meus favoritos, eu sou aficionada pelas mãos das imagens e pela luz geralmente vinda de uma janela lateral.
De toda forma, eu acho que o que nos abre mesmo pro campo das ideias é sair da rotina. Eu me sinto assim quando viajo, mas não precisa ser só isso, pode ser em qualquer experiência que não estamos acostumados a ter. Além de ser um tempo pra cabeça descansar do mecânico, é também um momento pra perceber o diferente.
Sobre quem me inspira eu nem sei dizer especificamente. Mulheres fortes, que ultrapassam as barreiras machistas de cada profissão, que se colocam firmes nos meios de trabalho, que nadam contra a maré e abrem espaço para mais mulheres ocuparem cargos em empresas e que, um dia, vivam uma igualdade de gênero nos direitos e deveres sociais.
Existe a foto perfeita? O que uma fotografia precisa ter para te encantar?
Ah… Acho que não. Perfeito é um conceito tão estático que não é compatível com nossas sensações, com toda cultura, com todos os momentos, com todas as cabeças. Pra mim, existem fotos pra todos os gostos, pra todos os objetivos. Mesmo porque a fotografia é um meio de informar algo com uma imagem capturada através de uma lente.
Para a fotografia me encantar, ela pode ter muitas coisas diferentes, inclusive acho complicado separar as partes da fotografia. Você pode se encantar pela luz, pelo rosto, pela roupa, pelo cenário, pelo impacto, pela beleza, pela feiura, não sei, é tão subjetivo quanto o “perfeito”. Eu costumo gostar de fotos que me prendem por algum tempo, que faz meus olhos passearem pela imagem, pode ser por estranheza ou harmonia.
Quais os principais desafios você encontra na sua profissão, especialmente sendo mulher?
Nossa, isso é uma pergunta que poderia te responder com uma tese, uma dissertação e, ainda sim, não falaria tudo. Vivemos numa sociedade de um machismo enraizado, que valoriza os homens e deprecia as mulheres. Atualmente, vivemos uma fase em que isso tem sido mais questionado e estamos tendo um pouco mais de voz, de espaço. Ainda longe de sermos vistas como iguais. Desde que a fotografia existe, principalmente como meio para venda de produtos, serviços, o olhar masculino é o desejado, objetificando a mulher. Isso não só para foto, mas também para publicidade e para moda. Recentemente, e digo recentemente MESMO, coisa de 5 anos, que o olhar feminino tem sido procurado, pra fazer o que só ele faz, não para reproduzir um olhar duro e explícito. Ressalto que tá loooooonge de estar equilibrado.
Eu sempre tive a impressão que, na fotografia, se há uma concorrência entre um homem e uma mulher, com o mesmo tempo de carreira, com preços parecidos, estruturas parecidas, quem vence é o homem. A justificativa nunca é por gênero, mas a verdade é que é sim. Até mesmo a beleza do fotógrafo conta. Uma mulher tida como bonita consegue mais trabalho do que uma “feia”. Com os homens a disparidade é muito menor. Acho que em todas as áreas, ne?
Outra coisa que reparo muito é que uma mulher jovem, com rosto jovem, é percebida como inexperiente, enquanto um homem jovem, com cara de menino, é um olhar novo, um gênio, alguém que veio quebrar padrões, ou prodígio. Temos muito o que caminhar ainda na busca da igualdade de gênero.
Tem algum trabalho em especial que você destaca entre os seus favoritos?
Nossa, que difícil isso. Eu não sei se consigo favoritar, mas acho que tenho alguns que foram mais marcantes.
Vou em dois recentes pra ficar mais fácil. Um é um editorial para revista @storiescollective que acho que representa muito bem o tipo de imagem que eu gosto. São fotos delicadas, ainda que fortes, com luz de janela, estrutura simples, feita somente por mulheres, que reúnem uma estética quase de pintura em termos de luz e composições quase como uma “natureza morta”.
O outro foi um convite da revista Cláudia para fotografar as capas e matérias de uma edição especial, a edição de agosto de 2020, que foram 3 capas de 3 personalidades brasileiras com mais de 90 anos, Laura Cardoso, Elaza Soares e Zezé Motta. Além de ter o privilégio de registrar essas mulheres também pude exercitar minha criatividade no pós foto. As fotos foram feitas remotamente, através de conversa de vídeo pelo celular.
Se pudesse escolher uma pessoa para fotografar, quem seria? Pode sonhar alto!
Dificílimo responder. Eu já fotografei bastante gente admirável do Brasil e do mundo, difícil escolher uma pessoa só. Talvez Tim Walker, meu fotógrafo contemporâneo predileto, dono dos retratos mais surrealistas e delicados, com um processo criativo bastante interessante. Fazendo um link com a pergunta anterior, algumas mulheres admiráveis foram cotadas para as capas da Claudia, umas não quiseram outras não puderam, mas dentre elas havia duas que eu queria muito ter podido conversar um pouco e registrar a imagem, a Rita Lee e a Fernanda Montenegro.
E se você pudesse fotografar um momento da história, qual seria?
Nunca pensei nisso, sabia? Eu penso em grandes coisas que eu talvez quisesse ter visto, participado, mas registrado eu quase nunca penso. Um momento, ou movimento, que queria ter visto, participado, possivelmente registrado, é o das Sufragistas, no início do século, começando no Reino Unido. A escolha é pela importância no movimento feminista, pelo marco histórico, não pela violência policial contra quase todo movimento revolucionário.
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